Eu preciso dizer. Eu preciso dizer. Eu preciso dizer.
Não me importa muito que você não ouça, eu não quero plateia hoje. Pode ser só minha voz para minha mobília, mas ela terá de me ouvir.
Porque eu preciso dizer. É uma necessidade ancestral que só se silencia saindo de mim, um grito meio rouco alavancado da minha garganta atrofiada, vazando pelo quarto. Preciso fluir, ver a vida escorrer da minha voz, uma realidade violenta que me arranque desse comodismo mórbido.
Eu preciso dizer. Enquanto meus olhos engolem a alma dos homens ao observá-los ser, cresce em mim uma vontade voraz de me esvaziar pela boca, pelos gestos, por um amante, qualquer coisa que dê vasão. Tenho que me evacuar, transcender, sentir o ínfimo como um trovão.
Eu preciso ser. Essa carcaça de pele e músculo está me fazendo sentir enjaulada. Eu preciso sair daqui. Nada de corpos, de feio. Daí me veria no espelho da alma: e agora, será que sou bela? Eu preciso arrancar meus olhos de uma vez por nenhuma.
Eu preciso dizer. Preciso ser mãe e começar a formar algum humano. Eu tenho essa força dobrada e amassada, guardada no fundo dos meus ossos, mas ela começou a expandir, anda correndo pelas minhas veias, procurando um novo hospedeiro. Ela precisa virar movimento e chegar até um novo ser.
Eu preciso escorrer. Pode ser pelas paredes do seu quarto, pela sua torneira, pelas rachaduras na madeira da sua porta. Preciso ir, seguir, emergir.
Eu preciso gritar. A vida se revira nas minhas tripas e eu preciso chocar os seus olhos com essas letras que vão jorrando dos meus dedos. Maçaneta, fechadura, boca, qualquer suporte ao deslocamento me é agradável. Preciso atravessar.
Apenas para cair em mim, ver-me de fora, estúpida e sem tempeiro. Apenas para sentir coisa alguma. Apenas para existir.
Essa mania de buscar a fome e recusar o estático é, no fundo, uma inversão psicológica do meu subconsciente. Sim, eu gosto de Paz. Quem diria? E almejo verdadeiramente a Paz.
Mas você não deve pensar em mim real. Aqui não há Letícia. Eu não sou eu, eu sou você. Quem é nós? Quem fui eu?
Quem será o seu meu?
2 comentários:
Perfeito o texto! Às vezes bate mesma uma vontade desesperada de algo e a gente fica sem saber o que fazer. Dizer ou escrever sempre ajuda.
Beijo.
Adorei, especialmente pq vc descreveu muito bem o motivo pelo qual ansiamos escrever: existir. Deixar a matéria que nos limita e transcender. Espiar-nos por fora de tudo isso e pronto, SER!
É um sofrimento enquando se está escrevendo né, vc sente tudo a flor da pele. Mas depois de se ler, vc só pode chegar a uma conclusao: sou de alguma forma uma alma. rs, confuso, pelo menos eu me sinto assim.
Vc faz as palavras se encaixarem tao perfeitamente, eu adoro isso. E me sinto nada perto da senhorita! beeeijos !
Postar um comentário