terça-feira, 27 de novembro de 2012

Esse texto está extravagantemente grande. Eu não tenho nem paciência de revisar ou corrirgir. Fica mais interessante na segunda metade. E está tudo desorganizado, caótico, tal como me vinha à mente. Não que alguém precise ler, mas eu precisava dizer. E foi meu primeiro texto usando a segunda pessoa singular = erros.



Nuncalândia, setenta e oito de quadrizembro de dois mil e amanhã.

Letícia,

Tuas fotos amareladas por pouco não foram ateadas à grande fogueira que armamos em casa. Por muito pouco consegui segurá-las nas mãos enquanto nossos pais jogavam parte grande de nossa vida antiga ao vermelho dançante. Sentada nesta cama cujas molas desconhecem a própria cor original, eu passo os dedos na tinta que identifica tuas feições. Eras bela.
E ingênua e tonta. Feliz, naturalmente. Porque, feito Fé, Esperança e Caridade, o conjunto Felicidade-selvageria-alienação da gente vem envolto numa fita que só regresso no tempo corta. E, neste caso, quem puxa as companheiras pela mão é a Alienação. Quanto à tesoura passado, dispenso: nunca fui saudosista. Talvez traga um quê nostálgico, mas o trago no pulmão e devolvo ao ar como fumaça leve; nada de pesado.
Das essências, todas permanecem aqui: algumas perfumando o quarto. Outras fedem.
Ainda sou fascinada pela arte e pelos homens. Comportamento, não mais, pois aprendi a vê-los com frieza. Não descaso, mas costume. Ainda amo, amo com minhas veias e músculos... sou dada aos fracos. Mas aos fortes desejo uma pancada. Devem cair em si, no próprio orgulho. Eles não são menos pequeninos que as formigas. Mais dignos e belos, de fato, mas não mais amados por Deus ao lado de seus irmãos.
Encanto-me com as novas arquiteturas, é sempre uma mistura de escolas. Gosto do clássico e do neoclássico. Do futurista e pós-futurista. As roupas seguem seu curso alternado fazendo-nos achar graça no chinfrim. E os rios descem a montanha: ainda não vi um que subisse. E quanto ao teu sonho, ele está a um passo de se concretizar. Vê, estou velha.
Mas devo falar daquilo que te incomoda.
Sei que venho empurrando para o rodapé, mas cá está. Perdão. Perdão. Perdão. Perdão. Os anos amassados que vives terão em breve um fim. Aliás, ao fim desse diálogo, já estarás curada. Ouviras hoje que o silêncio é a melhor música que se pode ouvir. "Saiba se perdoar, e o mundo passará a viver dentro de ti." Escuta agora, então. Faz tuas pálpebras beijarem-se e ouve teu metabolismo. Teu coração batendo. O sangue indo até teus dedos do pé e voltando ao estômago. Tum, tum. Não és oca.
Tu não precisas te esconder dentro de casa. Teu corpo é lindo. Tua voz é leve. Tuas mãos sabem deslizar pelo cabelo daqueles que ama. Tua mãe te ama mais do que a teu pai. Teu peso não está acima do normal. Teu peito não é menor do que precisa ser. Tuas pernas não precisam de cirurgia.
Pequena, tuas lágrimas são só visita. Um dia a brisa d'O Pai as leva embora, secas nas mãos d'Ele. Teus poucos amigos permanecerão até a velhice. Tua fome de ter fome jamais silenciará: isto apenas acontecerá quando teu coração parar de se mexer.
Os outros e suas opiniões não são importantes como pensas. As tuas contas é tu que pagas. Teus sonhos é tu que sonhas. Teu marido é tu que amas e aguentas. Então cala esse vício de insuficiência. Se nada te é o bastante, menos satisfatórios são os externos a ti. Enquieta, expira, exala por um segundo.
Sintas o tóxico carbônico evacuar-se dos pulmões após ter-te matado mais um pouco. Sempre souberas que não foras feita para o tempo, mas para o eterno. Olhes as cores daqui da terra. Imagine só as que te aguardam no Céu! Imagine uma nova cor. Não conseguirás, mas, imagine!
E antes, perdoa. Perdoa a ti mesma, depois aos outros, depois às coisas, depois às situações. Não importa se merece ou se quer perdão, mas dê; porque a cura é tua, não deles. Aceita o mundo tal como ele é, vez em quando. Perdoa o o governo, a poluição, as crianças mimadas. Perdoa dentro de ti, não fora. Não precisa verbo para o sobrenatural gritar.
Respira.
Respira.
Respira.
Eu cuidei de ti desde este momento. Virei tua nova casa. Eu te reergui, no nome de Jesus. Estás contigo e comigo agora. Leve feito ácaro, consciente porém sorrindo. Há, enfim, um equilíbrio entre a alusão e explicitação. Tem um fiapo que une misericórdia e justiça, e caminhas firme sobre ele. Nem sequer hesitas ou te preocupas, apenas vai.
Vai sorrindo, assim, vai andando-dançando, vai falando-cantando, vai fluindo-vazando. Da tua boca escorre o som que enchenta teu peito, é um glacê das abelhas. É uma Paz com PÊ MAIÚSCULO, é o teu rosto contraindo os músculos, é o Salvador debaixo dos cuspes te aliviando das aflições.
Teus dedos foram feitos para acariciar rostos. Sabes disso hoje.
Sei que preocupa-te com o futuro e o que há por talvez nunca vir. Mas silencia, tudo já veio, e és verdadeiramente completa em teu lar. Mulher, menina, criança, anciã: és tudo de uma só vez de um modo inédito e incrível.
Porque sabes agora perdoar.
Vendo-te no papel, impressa e sorrindo, vejo que sempre souberas da vida e seu encanto. Sempre cuidaras do jardim da alma, sempre manusearas o amor com o mais delicado de teu ser. Nossos pais moram em nova casa, e se amam apesar dos pesados pesares. Mesmo estando velha, eles permacem.
Como tudo o que é real: permanece.
Cuida dos teus joelhos, esquece o mundo lá fora. Saia para ver as borboletas polinizarem e serem. São puramente belas, não? Até o teu fim elas hão de te fascinar. Assim como o homem que escolheras para chamar de teu. Ele te ama calorosamente.
De longe te olho, de pouco te conheço. Mas de muito te sou.

Até breve,
Letícia.


4 comentários:

Aurora disse...

Lindo, lindo! Às vezes é bom lembrar das belezas da vida para que nos impeça de desabar, de desistir.
Tem um mundo lá fora, todos precisam enfrentar, mesmo com leis e regras fúteis. É só esquecê-los e seguir em frente, com um sorriso, sendo feliz.
Beijo.

umsoprononada.blogspot.com

Brunno Lopez disse...

Depois de seu comentário revelador no Teatro, eu confesso que demorei pra voltar aqui pois o tempo me fez escravo.

Não podia escrever mas lia sempre, e dessa vez você foi além de tudo que já escreveu.

Normalmente não analiso estruturas literárias, mas não pude deixar de adorar o enredo que escolheu para escrever essa carta. É viciante.

Você conseguiu deixar tudo palpável, admirável. As linhas alimentam os olhos mesmo com o desejo de que o texto não acabe, pois envolve.

Obrigado por todos esses anos de contribuição. Obrigado por emprestar seus olhos ao Teatro mesmo que fosse difícil de entender o que estava escrito lá.

Vejo que sua compreensão é um prêmio para minhas ideias. E as suas são estímulos para as novas que vou ter.

Incrível.

Brunno Lopez disse...

2013 já começou eu eu peço que você volte a trazer suas letras para o mundo real.

Sua carta é sincera demais para ser a última. O mundo precisa ler mais de seus parágrafos.

Brunno Lopez disse...

Volte aqui, agora.