Eu apanho o volante, apertado nos meus dedos, a borracha fingindo atrito. Acelero e os postes vão fugindo para trás de mim, diminuindo espelho adentro. Em pouco tempo, a curva os engole e novas luzes me saudam, seu sorriso cínico que tão pouco dura, eu tampouco as deixo sentir.
E vou subtraindo asfalto, meus olhos que não piscam nem abrem, apesar de enxergarem o ambiente todo com precisão e costume. Zango-me pelo carro da frente, indeciso em faixa e lento demais para minha ansiedade. Em pouco tempo ele também some para bairros vizinhos; a próxima música começa no meu rádio antigo.
"When the night isn’t ready for you
It’s a feeling I know that dogs do"
E você ainda mora na cidade, ainda pode estar em qualquer esquina que eu vire, pode estar andando, sozinho, pelas ruas perto da sua casa. Ou, pior: pode estar acompanhado. Sou coisa abandonada, porém.
Sigo o caminho, assustada com meus medos de sempre, os de assalto e perseguição. Pego a rota mais comprida, a mais movimentada e segura. Você vem nas aflições e no meu desapego comigo mesma.
E viro a velha marionete, vou perambulando por lugares monótonos, vou sendo guiada por hábito, sem vontade, vou caindo nos buracos (que esta cidade não se envergonha em ostentar).
Estaciono em casa, ligo o alarme, subo a rampa contra o vento e pego o elevador.
Encontro meus pais na sala comendo. Você está triste? aconteceu alguma coisa? Não, eu só não estava realmente ali. Mas disse que estava bem, e vim escrever.
Você não quis dar tchau, você simplesmente desapareceu. Você não se importou. Você não se importou.
E mesmo com os meses fechados, mesmo com minha mudança de atitude, mesmo com minha nova alegria, mesmo com minha esperança em você dada aos porcos, mesmo com ajuda de especialista, mesmo sabendo da sua indiferença, mesmo me punindo por não ter seguido: não consigo lhe fazer sumir.
De tempo em tempo eu me flagro sem reação ao meio, morta enquanto o tempo passa de um jeito estranho. Perco a noção da minha idade e posso jurar já estar nos 40, tendo sumido por todo o tempo que ainda não vivi até lá.
Depois me lembro de quem sou, da minha vida como ela é agora.
Então paro de escrever e enterro mais uma porção de terra em cima de você, que não para de se mexer, e me preparo para dormir.
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