segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Álvaro

  Eu não fui sua filha ou sua mulher. Não passei dias bons ou ruins ao seu lado, eu sequer soube seu nome completo.
     Não consegui a simpatia da sua cachorrinha e não pude criar laços com sua filha de coração. Mas eu sofri com a sua partida, de uma forma que não entendi.
     Seu funeral reuniu mais de quatro centenas de gente, nenhuma boca com palavras ruins a serem finalmente faladas, menos ainda maus desejos ou alívios.
     Você se cuidou, comeu bem e correu por esporte quase todos os dias. Sempre notei seu carinho pela esposa de uma forma delicada, sincera e muito bem humorada.
     Mas o curto tempo de um ano lhe engoliu feito fungos numa caixa escura.
     De repente suas cirurgias e de repente sua esposa em promessas. Lembro do choque ao lhe ver com a cabeça costurada e de como perguntou tantas vezes se minha batida de maracujá era realmente sem álcool.
     Você voltou parar sua cidade natal para morrer entre os familiares e amigos de infância, possivelmente o lugar onde fora mais amado.
     E alguns dias atrás você morreu, sem dor e apertando nossos olhos numa surpresa devotamente racional.
     Fico presa nas ocasiões em que vivi nos mesmo lugares que você, alguns churrascos e aniversários, todos tão esquecíveis. E me lembro de você, tão dono de um espírito tão pacífico, dançando uma música que você inventava enquanto cantava, quando conseguia cantar em meio ao riso.
     Não posso sentir saudades porque nunca realmente convivemos, não posso dizer que sofri sua perda.
     Fico apenas contemplando o que é viver e o valor de alguém amável. O que é morrer e o preço por ser vivo: toda a insegurança e desconcerto.
     E eu desconserto.

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