segunda-feira, 4 de maio de 2015

Serviço de quarto

     Eu peguei seus saltos do quintal, perto dos cacos de um pote caro e algum álcool derramado por ali, invariavelmente fétido, e subi suas escadas de algo mais caro que mármore. Seu quarto era acessado primeiramente por um closet, onde eu achei uma gaveta com outros saltos e um espaço vazio; ali eu coloquei o que trazia.
     Depois vinha seu quarto bagunçado, uma bagunça inegavelmente feminina. Era abafado ali, mas um perfume que você usou antes de descer me fez sentir como se o quarto fosse meu. Eu vi seus bichos de pelúcia abraçando corações de pelúcia, ao lado de garrafas de bebidas expostas feito troféu.
     Na sua mesa, uma miniatura de estúdio foi armada, com um espelho, uma caixa de maquiagens e um estojo de pincéis, agora espalhados pela mesa, com pó rosa aqui, uma pincelada de deliniador ali. Quão familiar uma garota consegue ser... e ao mesmo tempo tão inescalável. Suas roupas de ficar em casa estiradas na cama porque agora você estava num tubinho sexy.
     Mas está onde esse tubinho? para onde vocês fugiram depois da briga?
     Tanto vazio num quarto tão lotado, tão clichê. Acho que não cuidaram de você como cuidaram de mim. Então eu fui sua mãe por trinta minutos.
     Dobrei suas roupas do avesso, joguei na pia o whisky 50 anos, limpei as marcas de pegada sujas do seu lençol. Depois juntei os controles remotos num canto perto da TV e vi um exemplar híbrido de Allan Kardec com o Evangelho segundo Mateus de castigo no seu criado mudo.
     Acho que você nunca soube que eu estive ali. Mas eu cumpri meu serviço de quarto com toda a minha devoção de gente fraca e olhos todos atentos a cada detalhe do seu refúgio refinado. Você poderia ser eu, que poderia ser você. 

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