segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Se a lagarta não quiser mudar você acha que a borboleta apodrece lá dentro?

     Oco, oco, oco. Engole vazio e vomita rouco.
     Se eu não romper  enquanto digo ou enquanto escuto , então foi em vão. 
     Criei hábito de amargar os momentos sutis com cobrança adulta, esculpir meu caixão com as facas de cozinha que me deram para desabrochar. Para então me transformar em que? em gente? mas já não sou gente? 
     Então me pergunto que diabos estou fazendo. 
     Porque tem sempre alguma coisa faltando. Tem sempre alguma coisa faltando e eu me sinto a escalar o Everest do autogerenciamento: frio, ar artificial, cansaço, imprecisão de resultados, constante avaliação do dano em caso de desistência e cálculo de energia necessária para chegar: lá. Seja lá onde o lá esteja escondido hoje. Meu corpo parece subir mas bem poderia estar andando em círculos. Perdi minha régua então nunca irei saber.
     Perdi a Letícia certa então uso essa de segunda mão. De segunda mãe. De segunda-feira, quando a fadiga espiritual já chega com agulha na mão: examinemos sua situação interna. 
     Tenho medo de não dar conta, alguns dias certeza. Sou gulosa demais para perdoar mais um erro confeitado em açúcar. Vou devorando todas as possibilidades. Vou doando meus pedaços aos dias passantes: fique com essa parte de mim! não estou usando mesmo. De repente desapareço, e me pergunto: o que aconteceu aqui? Sem lembrar que foi tudo consentido. (sem sentido)
     Continuo. E sem me lembrar que não há botão rebobinar, que não sou feita de fita mas de célula. Sem lembrar que não preciso de afago mas de ouvintes atentos, que o tempo tem estômago maior que o meu. Sem lembrar o que quer dizer cada ciclo: eu tudo esqueci. Eu tudo abafei. E torno a repetir: é difícil.
     Como é difícil estar confortavelmente fincada no caos.

2 comentários:

Kristal disse...

"Perdi a Letícia certa então uso essa de segunda mão."
Letícia, minha irmã de escrita, como é reconfortante ler minha dor na sua.
E triste, porque você me parece esta alma linda, luminosa, forte e valente que nada disso merece, mas é refém (e nisso a identificação é máxima) dessa autoflagelação, mal de todo mundo que se mete a escrever e a se conhecer demais, como nós.
É engraçado ver como já viemos recorrendo a nossos pequenos diários públicos há tantos anos, em momentos de desespero ou alegria passageira e mudando e nos tornando algo e nos tornando algo novo, e às vezes velho. E nisso tudo nos autojulgando tanto, não é? haha
Mas é muito reconfortante ter esse seu espaço para visitar e ler a sua mente, com a sinceridade que só nos permitimos na escrita, porque o mundo real trata de nos tornar mecânicas, não é?
Desculpe o comentário tão longo, é que me sinto conversando com uma velha amiga, companheira dessas lutas íntimas tão propositais.
"Como é difícil estar confortavelmente fincada no caos."

Um grande abraço bem sincero e muito obrigada pela sua escrita valente, sincera e autoconsciente, que me faz companhia.

Luiz Carlos Sahge disse...

Reverente, orgulhoso de pertencer ao gênero humano e deliciosamente intrigado.

Sempre me sinto assim quando leio você Letícia, assim como quando leio Kristal. E do mesmo modo que você, fico curioso ao pensar nos limites entre o que compõe uma pessoa e outra, se é que entre determinadas pessoas estes limites são definidos. Mesmo porque, em consonância com seu texto inebriante, leio você e Kristal e me vêm a mente uma imagem de dentes-de-leão. Fico com essa sensação porque ha algo muito peculiar nos seus textos que me remetem a essa flor. É unica, mas quando se fragmenta, seus fragmentos permanecem parecidos à flor de que se soltaram. Todos os fragmentos são ainda aquela flor.
E é uma flor livre, porque não se pode colocá-las em um buquê e é quase impossível prendê-la ou mesmo apreendê-la. Dizem que você pode encontrar esporos dessa flor em alturas que nem mesmo aviões chegam.
Você é uma. Você é muitas...

Gosto de pensar que os seus textos alcançam lugares e pessoas que você também ficaria admirada.

Sempre tem alguma coisa faltando. E sempre tem alguma coisa acrescida e é um exercício existencial magnífico assimilar e reconhecer aquilo que foi acrescido e saber de onde veio.
Se me consentir, assimilo algo de si nessas suas linhas "que perguntar carece, como não fui eu que fiz?"

Desculpe o comentário kilométrico...