segunda-feira, 1 de abril de 2019

vaso

devoro aos finais de semana uma carcaça que muito me delicia nos cheiros e na cara ardida que tem. falamos de muito assunto besta. falamos de computadores e a paliação do sistema de cotas. depois, rimos de nervoso e antecipação e, até que enfim, nos deitamos em disposições pecaminosas, após as quais resto amarga.
termino com mais fome do que antes de começar a comer.
não raramente volto a me perguntar por que dou início a essa intoxicante comensalidade. sinto-me indisposta a fazer parar também. abstinência é grave e consciência roda tonta ao fundo da garrafa de cerveja que dividimos. procuro um arroto propício à semeadura.
termino encharcada com os olhos secos.
no caminho de volta, numa caixa de metal com pneus de borracha das árvores, dirijo observando plantas que se desenham dizendo quem são. cresceram em tal direção pois lá se derramava mais sol, dobraram para qual lado o vento empurrasse com maior firmeza e hábito. não sei o nome de nenhuma delas, se são acácias ou oliveiras ou marias eduardas, se seguram flores para daqui mais mês ou se irão apenas esverdear. mas entendo num elã que não são trepadeiras. rompem o solo sozinhas e sustentam-se por décadas num silêncio revigorantemente independente. ascendem com água, oxigênio, luz e nada. numa caixa de metal com pneu sangrado das árvores pergunto-me se este fruto que conduz é daqueles que tombam do alto para nunca vingar.
pode ser que seja só isso.
volto em cama de casa, cama antiga de colchão dobrado segundo meu peso, moldada para acomodar-me sozinha. fecho os olhos, quero fechar a janela mas já deitei, fecho a alma, engulo pontinhos de luz do quarto que saem dos eletrônicos. sinto-me máquina de fazer esfregação. quero pertencer como os flocos de algodão antes da colheita, espalhar hormônios bonitos pela coluna de ar sem mira certa sem contraparte. mas só tenho o depois, lençol de tecido lavado sem rasto de vida ou morte. gostaria que isso soasse menos grave porque no cotidiano minha cabeça é na verdade confusa, não tão palavrosa nem um pouco enraizada. 
decerto um sonho de adeus fará despertar finais no próximo contato, preciso ir, não há nada em você, tenho muito a fazer, não pudemos encaixar além de partes físicas, não me chame mais. guarde-me em sua memória como um girassol apaixonado pela lua, lançando sementes ao concreto, bebendo aos joelhos do que vem de cima.



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